Em presença de um acontecimento desgraçado já ocorrido, no qual, por conseguinte, não se pode mudar nada, não devemos nos abandonar à ideia de que poderia ser de outro modo; menos ainda refletir sobre o que poderia ter sido feito para que fosse diferente. Porque isso simplesmente intensifica a dor até o ponto em que se torna insuportável, e assim nos tornamos ἑαυτοντιμορούμενος [aquele que atormenta a si próprio].

Pelo contrário, deveríamos seguir o exemplo do rei Davi que, durante a enfermidade de seu filho, assediava Jeová sem descanso com suas orações e suas súplicas; mas, quando seu filho morreu, estalou os dedos e nunca mais pensou nisso. Aquele que não é bastante leve de espírito para conduzir-se dessa maneira deve refugiar-se no fatalismo e convencer-se da verdade de que tudo que ocorre, ocorre necessariamente e, portanto, inevitavelmente.

Não obstante, essa regra só tem valor em um sentido. Em um caso de infortúnio, é útil para nos proporcionar alívio e consolo imediatos; porém, quando, como acontece muitas vezes, a culpa é de nossa própria negligência ou irreflexão, então a meditação repetida e dolorosa dos meios que poderiam ter impedido o acontecimento é uma autodisciplina saudável que nos serve como lição e aprendizado, isto é, para o futuro.

Não devemos tentar desculpar, atenuar ou diminuir as faltas de que somos evidentemente responsáveis, mas confessá-las e trazê-las claramente ante nossos olhos em toda a sua extensão a fim de tomar a firme decisão de evitá-las futuramente. Temos, é verdade, de nos infligir o doloroso sentimento do descontentamento de si mesmos; entretanto, o homem não castigado, não aprende.

Excerto da obra Aforismos Para a Sabedoria de Vida, de Arthur Schopenhauer.







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