Por muito tempo, a história do homem na Terra foi contada de maneira linear. Começou com um ancestral macaco, tataravô tanto do homem quanto do chimpanzé, que vivia nas árvores africanas 10 milhões de anos atrás. Há 4 milhões de anos, nosso trisavô australopiteco pôs-se a caminhar sobre duas pernas e desceu das árvores. Um milhão e meio de anos depois, nosso bisavô Homo habilis passou a lascar pedras e usar como ferramenta – seu cérebro tinha o dobro do tamanho do dos australopitecos, e metade do nosso.

Aí veio o Homo erectus, nosso avô, há 2 milhões de anos, mais alto, inteligente e desenvolto, senhor do fogo. E, há 1 milhão de anos, surgiu o Homo heidelbergensis, com cérebro quase do tamanho do meu e do seu, que acabaria dando origem a dois primos – o corpulento neandertal e nós, o Homo sapiens. Os dois primos brigaram entre si por recursos, os neandertais perderam, desapareceram há cerca de 20 mil anos, e sobramos nós. O ápice da evolução. O auge da vida inteligente no planeta Terra.

Claro, não é fácil reconstruir uma história como essa usando meros caquinhos fósseis (às vezes, eles se resumem a um ossinho de um dedo mindinho). Os antropólogos nunca chegaram a um consenso completo acerca dessa narrativa. Mas nada do que eles especularam podia nos preparar para as revelações que seriam feitas quando os geneticistas se intrometessem no assunto. Isso aconteceu para valer na última década e mostrou que essa linearidade precisa da árvore genealógica humana tem uma dificuldade danada de parar em pé.

O primeiro mito a cair foi o de que derrotamos os neandertais no tapa, levando-os à extinção. Isso era consenso até que geneticistas do Instituto Max Planck, na Alemanha, liderados pelo sueco Svante Pääbo, começaram a sequenciar o genoma dos neandertais, em 2006. Em 2010 veio a bomba: uma comparação do genoma neandertal com o do sapiens mostra que todos os humanos vivendo hoje, salvo aqueles nascidos na África, têm ancestrais neandertais.

Portanto, somos um pouquinho neandertais. Quão pouquinho? Dois estudos publicados recentemente sugerem que nosso percentual genético neandertal é de 1% a 3%. Parece pouco, mas se torna mais significativo quando você vai ver o quanto de todo o genoma neandertal sobrevive hoje na população humana: coisa de 20%. Ou seja, um quinto da receita para fabricar um neandertal está espalhada por aí, nas diversas populações humanas.

A mesma coisa se aplica aos misteriosos denisovanos, uma outra espécie de humanos que habitava o leste asiático, sobre a qual se sabe pouquíssimo, porque os antropólogos só encontraram fragmentos de seus ossos. Estudos genéticos mostram que há ancestrais deles entre as populações da Oceania. É bem possível que nenhum desses nossos primos não-sapiens tenha se extinguido de fato. Na verdade, o fenômeno que provavelmente aconteceu foi uma diluição de sua herança genética, diante de um número bem maior de sapiens.

Não dá para evitar um arrepio ainda maior na espinha quando lembramos que outros hominídeos conviveram com os sapiens modernos. Os erectus sumiram mais ou menos na mesma época que eles surgiram. Teriam também se misturado? E o que dizer dos Homo floresiensis, apelidados de hobbits por seu tamanho diminuto? Fósseis encontrados na Indonésia sugerem que esses mini-humanos, com crânios bem menores que o nosso, mas ainda assim claramente inteligentes, pois usavam lanças de pedra lascada, estiveram por aí até meros 12 mil anos atrás. Haveria traços de seu DNA na composição genética dos sapiens da Oceania? Essas são algumas das cenas do próximo capítulo, na incrível história da evolução humana.

Duas lições, contudo, já podemos tirar: a primeira diz respeito aos senões de nossa singularidade, na Terra e em outras partes do Universo. Ao que parece, o surgimento da inteligência humana não foi meramente um feliz acidente de percurso, mas representou uma vantagem evolutiva tão grande que aconteceu mais de uma vez, em diferentes pontos da Terra. Isso quer dizer que algo parecido pode perfeitamente acontecer em outros planetas, ou mesmo se repetir na história evolutiva da Terra em algum outro momento. (Há quem diga até que já se repetiu, e o resultado são os golfinhos, que, apesar de não terem a estrutura física adequada para o desenvolvimento de tecnologias, são extremamente inteligentes.)

A segunda lição diz respeito à nossa própria natureza. Não importa quantas bobagens racistas ouçamos por aí, faz parte do espírito humano se espalhar por todos os locais habitáveis e se misturar às populações presentes nessas novas fronteiras. Somos todos, por definição, miscigenados. Somos todos vira-latas – não existe raça pura. E nos tornamos mais fortes como espécie por causa disso.







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