Theodor Adorno disse que todo ser humano é um fascista em potencial, pois nenhum de nós está isento de cometer atrocidades contra o outro, uma vez que todos podem perder ou deixar-se perder a capacidade de pensar o mundo como uma dimensão de espaços que coabitam. Ou seja, qualquer ser humano pode deixar de enxergar a dimensão que forma o outro e passar a entender o mundo a partir de um único ponto de vista, sem direito ao diálogo, até porque, como disse, não há um interlocutor para que o diálogo seja estabelecido.

Dessa forma, há de se considerar a força que a estrutura sócio-política exerce para que o indivíduo se torne um fascista, como ocorreu na Alemanha nazista, em que o próprio Estado criou mecanismos para que qualquer pensamento contrário ao dominante fosse exterminado pelo ódio e pela violência. Naquela ocasião, o horror nazista não foi praticado por pessoas “demoníacas”, tomadas por um ente abstrato, como muitas vezes aparenta, e sim, por pessoas comuns, adaptadas e subservientes ao sistema, inclusive, um totalitário.

Analisando por essa perspectiva, percebemos que de fato há no homem uma potencialidade para o mal. Mais que isso, existe uma potencialidade para que o mal seja praticado e banalizado. Em toda prática fascista, portando, há uma banalização do mal, uma vez que ao se tornar parte do cotidiano, algo padrão compartilhado por todos, o fascismo se torna banal, um mal não de “monstros”, mas de homens comuns.

Nesse ponto, o pensamento de Adorno se encontra com o de Hannah Arendt, em que se constata que o vetor do mal praticado em regimes fascistas é o homem comum, destituído da capacidade de pensar. A perplexidade que essa análise traz não está apenas em perceber que responsáveis por milhares de mortes eram indivíduos médios, mas, sobretudo, em entender que qualquer um pode se tornar uma pessoa abominável e externar o monstrinho que somos, lembrando Saramago.

Obviamente, dificilmente teremos a repetição de modelos totalitários como o nazismo, o stalinismo, ou as ditaduras latino-americanas, em que sobressaltaram aos olhos indivíduos como Hitler e Stálin. No entanto, na conjuntura atual, é possível que pequenos reinos totalitários sejam instalados, bem como, o levante de pequenos tiranos. E é exatamente isso que se observa dentro do panorama social contemporâneo.

Discursos de ódio, segregação, culpabilidade dos problemas produzidos socialmente a determinados grupos, isolamento, egoísmo, egocentrismo, competição extrema por todos os espaços, incapacidade de ouvir, enxergar, ver e reparar. Todas essas características, as quais poderiam se relacionar com os regimes totalitários supracitados, na verdade, também pertencem a nossa sociedade. Sendo assim, a banalização do mal em uma nova faceta nos atinge e demonstra que o inferno não está nos outros, em outro lugar, mas em nós, aqui e agora.

A grande problemática, desse modo, reside no fato de, mesmo após tantas experiências negativas para o ser humano, a sociedade insistir em se organizar de maneira autodestrutiva, desintegrada e excludente. Com uma estrutura social que estimula uma concorrência brutal, em uma espécie de luta de todos contra todos, como se fôssemos inimigos, gladiadores no coliseu, no melhor estilo do humanitismo desenvolvido por Machado, não é estranho que tenhamos perdido a capacidade de enxergar o outro como um ser com dimensão própria e diferente da nossa, que mais do que meros julgamentos, deve ser compreendido em sua individualidade e complexidade.

Quando se desenvolve um sistema que cria condições favoráveis ao afloramento do mal e sua prática por todos (banalização), há se entender que os dispositivos possuem problemas e precisam ser corrigidos. Isso não significa estabelecer um determinismo, em que todos, sem exceção, agirão do mesmo modo quando expostos a determinada circunstância sócio-política, mas perceber que os moldes em que a sociedade se constrói são fundamentais para que se tenha indivíduos inclusivos ou exclusivos (autoritários, incapazes de dialogar e, não raras vezes, agressivos).

Se vivemos em uma sociedade pautada no reino do eu, então, somos incapazes de enxergar o outro de forma autônoma e diferente. Pelo contrário, enxergamos o outro somente como um reflexo nosso e na medida em que não conseguimos perceber esse reflexo, vemo-nos na obrigação de por meio da força torná-lo igual ao modelo-padrão. Trocando em miúdos, não há na base formadora da nossa sociedade elementos que estimulem o diálogo, a capacidade, para lembrar Rubem Alves, de enxergar que o outro possa ver mundos que eu não enxergo. E é justamente essa incapacidade que produz a violência, seja verbal, como discursos de ódio e intolerância nas redes sociais, seja física, quando o indivíduo-tirano não aceita a insubordinação daquele que vive diferente das suas normas.

Posto isso, o mal pode existir e ser banalizado em qualquer época e sociedade, porque, como disse Bertold Brecht – “A cadela do fascismo está sempre no cio” – à espera de sistemas que a copulem e produzam cachorrinhos obedientes a todo comando do pai. Sendo, portanto, o mal oriundo do homem comum, banal, que estava apenas procurando do melhor modo estar adaptado ao sistema, é preciso ressaltar a sua incapacidade de ser diferente e romper com a ordem. É preciso ressaltar a nossa extrema facilidade em se adaptar e banalizar o mal, mesmo que, no fim das contas, todos sejamos afetados pela violência do totalitarismo, verdadeira tragédia do homem comum.







Poderia dizer o que faço, onde moro; mas, sinceramente, acho clichê. Meus textos falam muito mais sobre mim. O que posso dizer é que sou um cara simples. Talvez até demais. Um sonhador? Com certeza. Mais que isso. Um caso perdido de poesia ou apenas um menestrel caminhando pelas ruas solitárias da vida.