Filosofia

‘Ele estava consciente e implorando para ser intubado’

“Ele estava consciente e implorando para ser intubado, porque não aguentava mais a dificuldade para respirar. Me chocou muito esse paciente implorar para respirar sem saber se sairia do respirador, sem saber se voltaria à consciência, se sobreviveria”

Esse relato angustiante, dado à BBC News Brasil, vem da enfermeira Ana Paula Lemos, coordenadora da área de transfusão de sangue do Hospital Tacchini, em Bento Gonçalves, Rio Grande do Sul.

Ana Paula conta que correu à UTI para realizar um procedimento de transfusão em um paciente e lá se deparou com um senhor de 60 anos que imlporava para ser intubado, mesmo sabendo que talvez não retornasse mais após esse procedimento. E de fato, o paciente veio a óbito alguns dias depois.

O Estado está próximo do colapso do sistema de saúde e acionou a fase mais crítica do plano de contingência ao coronavírus.

“Estamos com quase 100% da ocupação. Temos três UTIs. Uma é destinada só para pacientes com Covid-19. Ela está com lotação de praticamente 100% dos leitos. Temos outras duas UTIs que já atingiram lotação máxima”, contou a enfermeira.

“Cirurgias eletivas foram todas suspensas. Estamos trabalhando com situações de urgência e emergência. A entrada de visita foi totalmente restrita. Os pacientes ficam sem acompanhantes para reduzir o fluxo de pessoas e só falam com a família por vídeo”.

Pior fase da ‘guerra’

Lemos presenciou dezenas de pacientes morrerem desde o início da pandemia, inclusive alguns com os quais convivia havia meses ou anos, já que eram pessoas que precisavam de transfusões periódicas por outras condições de saúde.

“Trabalhamos com muitas pessoas em tratamento de câncer e tivemos muitas perdas de pacientes fixos que acabaram contraindo Covid. A gente se apega ao paciente. E chega outro dia e a gente diz: mais um a gente perdeu.”

Leia também: O coronavírus sobrevive até três dias em tecido, segundo estudo universitário

Ela diz que se sente numa “guerra” e que o momento atual é o pior desde o início da pandemia. “O mais difícil é o sentimento de que isso não vai ter fim. Parece que a gente não vê uma luz. A gente vê os pacientes internando, internando, e a gente não vê uma saída. A gente tem que aguentar firme”, afirma, embargando a voz.

“Ninguém nos perguntou se a gente queria entrar na guerra ou não e a gente entrou. E essa é a fase mais difícil.”

Segundo Lemos, comparado com o primeiro pico de casos no Rio Grande do Sul, o atual está provocando lotação mais acelerada de todas as unidades do hospital.

“Está pior em volume de internação e a velocidade de contágio parece estar maior. Nós já tivemos 100% de ocupação de UTI antes, mas as unidades de internação estavam mais vazias. Tínhamos como remanejar, agora não. E estamos no limite do estoque de sangue.”

Jovens morrendo

Lemos também disse que percebe um fluxo maior de jovens com quadro grave de Covid-19. Despedir desses pacientes é uma das partes mais difíceis do trabalho, diz.

Ela contou que recentemente teve que acalmar um homem de 36 anos com Covid-19 que parecia ter poucas chances de sobreviver.

“A gente não pode dizer para o paciente que ele vai melhorar, que isso vai passar, porque em alguns casos não é verdade. Falei que ele ia receber uma medicação que ia amenizar a dor e que as coisas iriam se organizar da melhor forma para ele, naquele momento”, disse. O rapaz acabou morrendo.

“Tentamos fazer tudo de maneira humana, sensível, dar conforto. Mas a gente está observando um número muito grande de pacientes jovens com Covid grave. É duro. Às vezes eu estou indo para casa e dou aquela engasgada.”

Pressão constante

Lemos diz que a pressão é tão grande que alguns colegas desenvolveram ansiedade, saíram de licença ou pediram demissão.

“Está tendo muito desligamento por questões psicológicas. Eu não sei como ainda estou limpa de medicação, de antidepressivos. Eu tiro forças do meu filho. Ele não pode me ver desabar”, afirma.

Informações do G1

Pensar Contemporâneo

Um espaço destinado a registrar e difundir o pensar dos nossos dias.

Share
Published by
Pensar Contemporâneo

Recent Posts

Um acidente, uma família em pedaços e um pássaro improvável: o filme da Netflix que vai te desmontar por dentro

Tem gente que acha que “filme com animal” é sinônimo de história fofinha para ver…

1 dia ago

Esse filme na Netflix está fazendo adultos desabar em lágrimas; já prepara o psicológico antes de dar o play

Tem filme que a gente assiste para passar o tempo e tem filme que parece…

1 dia ago

A Netflix decidiu entregar tudo antes do Natal: 5 estreias obrigatórias para ver agora!

Dezembro na Netflix Brasil vem daquele jeito caótico que a gente gosta: você abre o…

4 dias ago

No fim do mundo, ele acreditava estar melhor sozinho — até que uma estranha surge com respostas que ele não estava pronto para ouvir

Se o fim da humanidade virasse realidade amanhã, tem gente que sonharia com cidades vazias,…

4 dias ago

Drama brutal que revelou Jennifer Lawrence acaba de chegar ao streaming — e destrói emocionalmente quem assiste!

Antes de virar estrela de franquia gigante e figurar entre as atrizes mais disputadas de…

4 dias ago

Esse filme da Netflix é tão perturbador que muita gente sai dele em verdadeiro coma existencial

Tem filme de terror que assusta pelo susto; O Poço faz outra coisa: ele te…

1 semana ago