Se o fim da humanidade virasse realidade amanhã, tem gente que sonharia com cidades vazias, silêncio e ninguém enchendo o saco. Agora Estamos Sozinhos (I Think We’re Alone Now, 2018), dirigido por Reed Morano, começa justamente aí: o apocalipse cai como uma espécie de “prêmio” para um cara que sempre se deu melhor com livros do que com pessoas.
Mas o filme não fica parado nessa fantasia de solidão perfeita por muito tempo; quando uma sobrevivente entra em cena, a história passa a cutucar assuntos mais incômodos, como trauma, memória e o preço de “consertar” pessoas à força.
O protagonista é Del (Peter Dinklage), ex-bibliotecário que vive numa cidadezinha esvaziada por um evento misterioso: as pessoas simplesmente morreram onde estavam, em plena terça-feira à tarde.
Leia também: Casais famosos com diferença de idade absurda: alguns passam dos 50 anos e você nem imagina quem
Ele ocupou a biblioteca, transformou o espaço em casa e rotina, e passa os dias limpando casas, organizando objetos e enterrando corpos em covas discretas – tudo metódico, quase ritualístico. Para ele, aquele silêncio absoluto virou uma espécie de ordem interna.
Essa rotina estilhaça quando aparece Grace (Elle Fanning), jovem impulsiva que surge literalmente como um acidente: Del encontra o carro dela batido e descobre que, sim, existe mais gente viva além dele.
A partir daí, o filme vira um choque de temperamentos. Enquanto Del é contido, fechado e obsessivo com cada detalhe da cidade, Grace fala alto, faz piada fora de hora, fuça onde não deve e tenta abrir brechas na muralha emocional que ele construiu.
O contraste entre os dois é o centro da primeira metade do filme – e boa parte do interesse da história nasce desse embate cotidiano, quase doméstico, em meio a ruas vazias.
Reed Morano filma esse pós-apocalipse em escala pequena. Nada de cidades em ruínas gigantescas, monstros ou batalhas épicas. O que domina a tela são casas comuns, prateleiras de livros, gramados abandonados, fios de energia caídos e um silêncio que, com o tempo, fica incômodo.
Essa escolha deixa tudo mais próximo: a sensação é de entrar em uma cidadezinha de interior depois de uma evacuação em massa. A fotografia, assinada pela própria Morano, reforça a solidão com enquadramentos que costumam colocar Del pequeno diante de ruas vazias ou salas abarrotadas de coisas de gente que já se foi.
O longa começa quase como um estudo sobre isolamento voluntário. Del montou um sistema que lhe dá sensação de controle: catálogos em cadernos, regras para limpar cada casa, um jeito específico de organizar objetos dos mortos.
Quando Grace entra nessa engrenagem, ela não só bagunça a rotina dele, como obriga o espectador a rever a ideia de que estar sozinho “resolve tudo”. Aos poucos, o filme vai mostrando que a paz que ele encontrou tinha um preço alto: ausência de afeto, negação do passado e um certo conforto em não ser desafiado por ninguém.
A relação entre Del e Grace é o coração do filme, seja você fã do par como amizade, romance tímido ou algo entre uma coisa e outra.
Ele ensina a ela como “limpar” casas, procurar baterias, enterrar corpos com respeito; ela devolve perguntas, sarcasmo, música alta, um cachorro e, principalmente, alguém disposto a olhar para a dor que ele tenta esconder.
Há momentos até bem humorados, principalmente quando a lógica metódica de Del esbarra no jeito caótico de Grace. E é nesse convívio estranhamente cotidiano que o filme funciona melhor.
Na segunda metade, porém, a trama muda de rumo. A entrada de dois novos personagens – Patrick (Paul Giamatti) e Violet (Charlotte Gainsbourg) – revela que o mundo não está tão vazio quanto parecia.
Existe uma comunidade de sobreviventes, com tecnologias e protocolos próprios, lidando com o trauma de forma radical: através de procedimentos que mexem com memória e comportamento, em nome de um “recomeço limpo”.
A partir desse ponto, o filme dá uma guinada para a ficção científica paranoica, discutindo até que ponto apagar o passado seria uma forma de cura ou de controle.
Esse desvio divide opiniões. Parte da crítica considera que o roteiro, escrito por Mike Makowsky, se apoia em uma reviravolta que não conversa tão bem com a delicadeza do começo, deixando a sensação de conceito interessante encaixado às pressas no final.
Alguns textos apontam falhas na lógica daquele “novo mundo” organizado, além de motivações de personagens que soam artificiais.
Por outro lado, há quem veja na mudança de tom uma forma de explicitar a tese do filme: o problema não é só sobreviver ao fim do mundo, mas lidar com quem quer controlar a forma como você lida com sua própria dor.
Leia também: Só 2% acertam: quantos dedos existem realmente nesta imagem? A resposta não é óbvia
Compartilhe o post com seus amigos! 😉
Tem gente que acha que “filme com animal” é sinônimo de história fofinha para ver…
Tem filme que a gente assiste para passar o tempo e tem filme que parece…
Dezembro na Netflix Brasil vem daquele jeito caótico que a gente gosta: você abre o…
Antes de virar estrela de franquia gigante e figurar entre as atrizes mais disputadas de…
Tem filme de terror que assusta pelo susto; O Poço faz outra coisa: ele te…
O universo dos jogos deixou de ser apenas entretenimento. Tornou-se linguagem, metáfora e até lente…