Filosofia

Não existe pior prisão do que uma mente fechada

Carl Jung disse certa vez que “Todos nós nascemos originais e morremos cópias”. Ao analisar a frase de Jung à luz da contemporaneidade, poderíamos encontrar um enorme problema, uma vez que vivemos em um mundo regido sumariamente pela liberdade. Isto é, o fundamento maior da nossa sociedade é a liberdade, que se ramifica em diversos aspectos, desde o econômico até o comportamental. Entretanto, se olharmos com profundidade, perceberemos que essa estrutura de mundo “livre” existe tão somente no plano teórico e, assim, somos só reprodutores da ordem vigente ou simplesmente cópias, como argumenta Jung.

Obviamente, a nossa cosmovisão sofre influências externas, esse é um processo natural. Da mesma maneira que a vida em sociedade necessita de regras a fim de manter o convívio social dentro de certos limites éticos. Sendo assim, pensar no exercício da liberdade como algo ilimitado é impossível, já que todas as coisas possuem o seu contraponto e limitações. Apesar disso, a existência de pontos limitadores não implica a inexistência da liberdade e o condicionamento irrestrito a valores passados por uma ordem “superior”.

Todavia, é isso que tem acontecido, temos sido escravizados ou, lembrando o João Neto Pitta, “colonizados pelo pensamento alheio”. E pior, por uma ideologia extremamente nociva para nós enquanto seres humanos. Fomos reduzidos a estatística, na qual somos divididos entres os condicionados e os condicionáveis. Ou seja, não existe nessa estrutura a concepção de um ser livre, que exerce a capacidade de raciocínio e afeto para discernir sobre o que quer e deseja. Todos são domesticáveis em potencial.

Esse controle é feito por meio da conversão à sociedade de consumo e seus valores fundamentais, que reduz tudo a um valor mercadológico precário, rotativo e obsoleto. A mídia com todos os seus tentáculos está a serviço do grande capital, que não visa outra coisa a não ser a conversão de mais pessoas, contemplando o deus consumo em seu templo maior: os shoppings centers. Lugar de alegria, satisfação, preenchimento de vazios e liberdade irrestrita, pelo menos teoricamente ou midiaticamente. Mas, em um mundo regido também pelas aparências, pelo espetáculo, o importante não é o que é, e sim, o que aparenta ser, sobretudo, aos olhos dos outros.

Aliás, nesse esquema, não basta ter, é necessário parecer que tenha, expor, mostrar, iludir, ganhar aplausos, tapinhas nas costas, sorrisos falsos e olhar invejosos. Em outras palavras, é preciso confessar ao mundo que você é um vencedor, que é um bom filho de “Deus”, que é recompensado por seguir os seus preceitos, ir ao seu templo e contemplá-lo 24 horas por dia. E existem ferramentas muito úteis para isso, as redes sociais que o digam.

Toda essa teatralidade da vida cotidiana, montada com cortinas que nunca se fecham, é apresentada como verdade e nós — com nossa psique altamente fragilizada — a compramos com extrema facilidade. Para os mais duros na queda, nada que mil repetições não sejam capazes de construir, afinal, como disse Joseph Goebbels, ministro da propaganda na Alemanha Nazista: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”.

Apesar disso, a grande maioria de nós não está revoltada com a sua condição, pelo contrário, aceitamos o jugo de bom grado. Ou pior, o buscamos. É claro que não possuímos o domínio das relações de força na sociedade, não controlamos as leis, o sistema jurídico, tampouco, a mídia. Somos “apenas” espectadores vorazes de uma batalha desigual e opressora. Entretanto, será que não há o que ser feito? Será que não existem alguns pontos de luz que tentam nos iluminar? Eu sei o quanto é difícil se libertar e quão alto é o preço que se paga pela liberdade. Mas de que adianta ter o conforto de uma vida “segura”, se é por meio dessa “segurança” que a servidão e os males decorrentes desta se tornam possíveis?

Como disse Rosa Luxemburgo: “Quem não se movimenta, não sente as correntes que o prendem”. É preciso, então, se movimentar, correr, gesticular, falar, até que o som das correntes seja insuportável e nós consigamos despertar de um sonho ridículo que apresenta um espetáculo celestial em meio a um inferno cercado de grades manchadas com sangue, suor e sofrimento. Se uma mente que se abre jamais volta ao tamanho original, a que se liberta jamais aceita retornar à prisão; porque por mais que as condições sejam adversas, o princípio da autonomia está dentro de nós, quando decidimos romper o medo de abrir os olhos e passamos a enxergar. Sendo assim, o cárcere não é criado do lado de fora, é criado do lado de dentro, já que a chave que prende é a mesma que liberta, pois não existe pior prisão do que uma mente fechada.

Erick Morais

Poderia dizer o que faço, onde moro; mas, sinceramente, acho clichê. Meus textos falam muito mais sobre mim. O que posso dizer é que sou um cara simples. Talvez até demais. Um sonhador? Com certeza. Mais que isso. Um caso perdido de poesia ou apenas um menestrel caminhando pelas ruas solitárias da vida.

Share
Published by
Erick Morais

Recent Posts

Um filme tão assustador que é difícil acreditar ser baseado em uma história real — premiado com o Oscar de 2023

Tem filme que assusta com susto. Entre Mulheres (Women Talking) assusta de um jeito mais…

13 horas ago

Pouca gente notou, mas a Netflix acaba de receber uma das séries mais aclamadas da última década

Tem série que você assiste e pensa “ok, entretenimento”. E tem série que termina o…

13 horas ago

Verme do coração em cães: o que é, perigos, como prevenir e tratar!

Descubra como a dirofilariose afeta o organismo dos cães, quais sinais exigem atenção imediata e…

2 dias ago

Quando vale a pena adiantar valores futuros do trabalho para equilibrar o orçamento

Planejar o impacto da antecipação no orçamento futuro é vital para manter a estabilidade financeira…

3 dias ago

Um acidente, uma família em pedaços e um pássaro improvável: o filme da Netflix que vai te desmontar por dentro

Tem gente que acha que “filme com animal” é sinônimo de história fofinha para ver…

1 semana ago

Esse filme na Netflix está fazendo adultos desabar em lágrimas; já prepara o psicológico antes de dar o play

Tem filme que a gente assiste para passar o tempo e tem filme que parece…

1 semana ago