Cultura

Nós, os Refugiados | Carta de Hannah Arendt

Texto originalmente publicado no ano de 1943, no jornal The Menorah Journal)

Em primeiro lugar, não gostamos de ser chamados “refugiados”. Chamamo-nos uns aos outros “recém-chegados” ou “imigrantes”. […] Um refugiado costuma ser uma pessoa obrigada a procurar refúgio devido a algum ato cometido ou por alguma opinião política. Bom, é verdade que tivemos que procurar refúgio; mas não cometemos nenhum ato e a maioria de nós nunca sonhou em ter qualquer opinião política radical. O sentido do termo “refugiado” mudou conosco. […]

Com efeito, o nosso otimismo é admirável, mesmo que sejamos nós a dizê-lo. A história da nossa luta finalmente tornou-se conhecida. Perdemos a nossa casa o que significa a familiaridade da vida cotidiana. Perdemos a nossa ocupação o que significa a confiança de que tínhamos algum uso neste mundo. Perdemos a nossa língua o que significa a naturalidade das reações, a simplicidade dos gestos, a expressão impassível dos sentimentos. Deixamos os nossos familiares nos guetos polacos e os nossos melhores amigos foram mortos em campos de concentração o que significa a ruptura das nossas vidas privadas. […]

Não sei que memórias e que pensamentos habitam toda a noite nos nossos sonhos. Não me atrevo a perguntar por essa informação, uma vez que, também eu, preferia ser uma otimista. […]

Não. Há algo de errado com o otimismo. Há aqueles estranhos otimistas entre nós que, tendo feito vários discursos otimistas, vão para casa e ligam o gás ou dão uso a um arranha-céu de modo inesperado. Parecem provar que a nossa proclamada animação é baseada numa perigosa disposição para morte. Ao mencionar a convicção de que a vida é o bem maior e a morte a maior consternação, tornamo-nos testemunhas e vítimas de terrores piores que a morte – sem termos sido capazes de descobrir um ideal maior que a vida. Assim, embora a morte perca o seu horror para nós, não nos tornamos nem dispostos nem capazes de arriscar a nossa vida por uma causa. Em vez de combater – ou pensar sobre como ser capaz de resistir – os refugiados habituaram-se a desejar a morte a amigos ou familiares; se alguém morre, imaginamos animadamente todos os problemas de que foram salvos. Finalmente muitos de nós acabam por desejar que, também nós, poderíamos ser salvos de alguns problemas e agimos em conformidade… (Continua…)

 

Para ler a carta completa online ou, fazer o download – CLIQUE AQUI

Matéria originalmente publicada em Farofa Filosófica

Pensar Contemporâneo

Um espaço destinado a registrar e difundir o pensar dos nossos dias.

Recent Posts

5 séries espetaculares que são baseadas em fatos reais – e perfeitas para maratonar rápido

Em tempos de streaming, nada melhor do que descobrir séries que não apenas entretêm, mas…

6 horas ago

Um dos melhores filmes de todos os tempos, segundo Tarantino, está na Netflix e é ótima pedida para o Sabadão

Se você está procurando uma pedida certeira para incrementar seu sábado, pode parar de buscar.…

6 horas ago

Homem é inocentado de dirigir bêbado após provar que tem condição raríssima que faz seu corpo produzir álcool

Na tranquila paisagem belga, um caso inusitado agitou o sistema judicial em 2022. Um cidadão,…

7 horas ago

Série mais vista do Brasil atualmente, disponível na Netflix, é um verdadeiro festival de loucuras

Em uma era em que as séries do streaming exploram temas cada vez mais complexos…

2 dias ago

Essa é a realidade perturbadora que acontece quando você esmaga uma aranha grávida

Se você deu de cara com uma aranha em sua residência, talvez seu primeiro impulso…

2 dias ago

Menina de 10 anos se salvou de virar comida de jacaré usando truque inusitado que aprendeu em parque temático

Num tranquilo dia de abril, a pequena Juliana Ossa teve sua rotina alterada drasticamente durante…

2 dias ago