O relógio de bolso se transforma em um elo entre hipnólogo e paciente. Os movimentos de pêndulo logo pesam sobre as pálpebras do indivíduo. Enquanto o corpo do hipnotizado começa a receber comandos do terapeuta sem poder controlar suas próprias reações, sua mente se torna vulnerável a revelar os mais profundos segredos guardados no inconsciente. Após quarenta e cinco minutos de devaneio, o doutor conta até três e o paciente acorda na mesma posição em que se encontrava antes, com a sensação de que apenas poucos segundos se passaram, sem se lembrar exatamente do que aconteceu durante a sessão. Em enredos de filmes de suspense, esta poderia ser uma boa deixa para o terapeuta contar sobre a vida passada de seu paciente ou, ainda, se mostrar surpreso com a manifestação de algum poder sobrenatural apresentado durante o transe hipnótico. Os mais fantasiosos até suspeitam de abuso sexual durante o transe hipnótico. Qualquer uma dessas versões faz parte de uma extensa lista de falsas crenças que se têm com relação à hipnoterapia. Acredita-se que a hipnose é um fenômeno sobrenatural, realiza milagres, tem poder coercitivo ou é mais facilmente realizada em pessoas de baixo QI. Todas essas opções são ótimos atrativos cinematográficos, mas não apresentam qualquer respaldo científico.

A hipnose é um fato, um fenômeno científico aceito em todas as instâncias sociais. Acontece conosco diversas vezes em nosso dia-a-dia, e ocorre inclusive em animais. Estamos hipnotizados, por exemplo, quando estamos tão concentrados em algo, como um livro ou um programa de televisão, que sequer notamos o que se passa ao nosso redor – o telefone tocando ou alguém que entra na sala. Pode acontecer enquanto dirigimos, quando de repente notamos que chegamos ao destino sem nem mesmo lembrar exatamente o trajeto. São aqueles momentos em que estamos absortos em nossos pensamentos e é preciso que nos chamem a atenção cinco ou seis vezes até que possamos responder. A hipnose é, assim, “um estado alterado de consciência”, ou ainda, “uma forma diferente de estar acordado, onde a atenção se volta mais intensamente para o interior da pessoa, com flutuações particulares em cada caso”, define o psicólogo clínico Pedro de Azevedo.

Vale ressaltar que hipnose em nada pode ser associada ao sono, exceto pelo fato de que aparenta ser a mesma coisa. O movimento do corpo humano é controlado por uma parte do cérebro denominada córtex, diferentemente da parte do cérebro que cuida da atenção – o prosencéfalo basal. Durante o sono, o corpo pode vir a se movimentar por uma série de fatores – ansiedade, dor de estômago ou devido a um fator externo – porém a atenção não está ativa, uma vez que o prosencéfalo é a parte do corpo humano que mais necessita e desgasta energia. Durante a hipnose, o corpo se movimenta através de comandos externos e a atenção continua ativa, mas focada em nossos pensamentos. É possível ouvir sons externos, no entanto não se tem controle dos movimentos, que ficam ligados no “automático”.

Já o sonho só pode ser equiparado ao transe hipnótico no que tange à noção de tempo exercida pela mente – denominada kairós . A sensação de que minutos duraram apenas segundos decorre do fato de que nossa mente tem o poder de condensar ou expandir o tempo. Um exemplo claro disso é parar para imaginar uma caneta caindo de nossa mão. Em nossa mente, esse movimento pode durar segundos, minutos ou horas, quando na realidade ele duraria apenas milésimos de segundo no mundo físico. Acontece também com os sonhos, que parecem durar a noite inteira, quando na verdade sonhamos cerca de 30 segundos a 25 minutos por noite. E é exatamente o que ocorre durante a sessão – a perda da noção de tempo, e não a amnésia .

Ao uso clínico que se faz dos métodos hipnóticos dá-se o nome de hipnoterapia. O uso ou não desse método cabe somente ao médico, psicólogo, dentista ou terapeuta, e não ao paciente. É como uma receita de remédio. “Uso os recursos e as técnicas que eu acho que serão efetivas para a pessoa, nas circunstâncias e nos propósitos que ela traz. Incidentalmente será ou não o transe hipnótico. A gente não dá sempre o mesmo remédio para qualquer coisa”, esclarece a psicóloga Marta Echenique.

História da Hipnose

O fenômeno científico hipnose sempre esteve presente na história da humanidade. Podemos dizer que a técnica de indução da hipnose passou a ser utilizada na Idade Antiga, atrelada ao poder de cura e a ritos religiosos. Cientificamente, a técnica começou a ser estudada apenas a partir do Séc. XVIII.

Embora Freud (1856-1939) sempre seja lembrado ao se falar em hipnose, quem introduziu o termo foi James Braid (1765-1860), que começou a utilizá-la cientificamente após Franz Aton Mesmer (1734-1815) ter feito estudos e práticas com a técnica no ramo terapêutico. James Esdaile (1808-1868) também foi fundamental para a hipnose, uma vez que realizou aproximadamente 3.000 cirurgias – todas devidamente catalogadas – utilizando apenas a anestesia hipnótica para tirar a dor dos pacientes. Já Sigmund Freud entrou no campo da hipnose após 1885, depois de ter como professor Jean Charcot (1835-1893) – o qual estudou os efeitos do método em pacientes histéricos. Freud seguiu pelo mesmo caminho e o processo que utilizava consistia em fazer o paciente lembrar e relatar durante o transe hipnótico as situações que deram origem ao trauma psicológico, expressando as emoções que acompanhavam a situação. Com a evolução de sua teoria da psicanálise, ele concluiu ser fundamental que o paciente traga à sua própria consciência o que é mantido no inconsciente, isto é, a pessoa tem que estar preparada para compreender seus problemas e lidar com eles. Freud utilizava a hipnose profunda para a obtenção de memórias reprimidas, sem saber que nem todas as pessoas são suscetíveis a ela facilmente, e no fim da vida, ele reconheceu que os estados de leve e médio hipnose produzem melhores efeitos terapêuticos. Ao abandonar esse método, a hipnose caiu numa espécie de ostracismo, sendo retomada na Segunda Guerra Mundial, principalmente por médicos russos. Na Rússia, estudos que relacionavam as técnicas hipnóticas a ponto de vista neurofisiológico davam credibilidade e aceitação científica.

As guerras do Século XX contribuíram para que o estudo da hipnose se alastrasse pelo mundo. A Guerra da Coréia (1950-53), por exemplo, estimulou estudos na Inglaterra e nos Estados Unidos, países em que as Associações Médicas aprovaram oficialmente o uso do método hipnótico como tratamento auxiliar em 1955 e 1958, respectivamente.

A forma de hipnose mais recente e mais difundida atualmente surgiu com Milton Erickson (1901-1980). Erickson foi um psiquiatra americano que estudou profundamente a hipnose e seus fenômenos durante toda a sua vida. Ele repensou a forma clássica da hipnoterapia reformulando toda a compreensão sobre o assunto, bem como suas induções e as formas de se trabalhar com seus fenômenos. Uma de suas maiores contribuições no campo foi a valorização da realidade individual de cada paciente, além de sua “abordagem breve, estratégica e voltada para a solução”, explica o psicólogo clínico Bayard Velloso Galvão, Presidente do Instituto de Hipnoterapia Educativa e Presidente do Instituto Milton H. Erickson – SP . Graças ao psiquiatra americano, a hipnose saiu do esquecimento e passou a ser amplamente usada em tratamentos clínicos.

Correntes da Hipnose

Segundo o psicólogo clínico Pedro de Azevedo, são três as correntes da hipnoterapia nos dias de hoje: a Clássica, a Ericksoniana e a Transpessoal.

A primeira é a forma utilizada por Freud, um processo de hipnose autoritário. Caracteriza-se basicamente por dar “ordens” ao paciente (“Você vai dormir, você vai levantar a mão”). A hipnose clássica também é a utilizada em shows de ilusionismo, que possuem sua parcela de responsabilidade pelo descrédito da técnica, que muita gente hoje associa apenas a truques de levitação.

A segunda se trata do método desenvolvido por Erickson, no qual o indivíduo é apenas sugerido a se hipnotizar, e ao invés de ordens, recebe sugestões do que se pode buscar em sua mente. Na verdade, a diferença entre essas duas correntes é apenas uma questão de estilo, formas diferentes, porque “toda hipnose é auto-hipnose”, declara Azevedo. Mesmo no modelo clássico, um indivíduo jamais será hipnotizado se ele não quiser que isso aconteça. Assim, toda pessoa que estiver com a possibilidade de uma certa intensidade de atividade psíquica potencialmente direcionável com o que é comunicado por si e/ou por outros, e que queira ser hipnotizada, pode ser hipnotizada.

Já a corrente Transpessoal não é aceita como tratamento clínico porque envolve religião e crença em entidades espirituais e vidas passadas. Ela trata de regressão a outras vidas e contatos espirituais. Como não se pode comprovar cientificamente a existência ou não de um lado espiritual na vida humana, o psicólogo ou psiquiatra não pode associar seu nome a essa corrente. Caso o faça, é alertado pelo Conselho Federal de sua área e, mediante insistência, perde o direito de exercer a profissão. Essa corrente também nutre o sensacionalismo acerca da hipnose, o que gera ainda mais preconceito por parte da comunidade científica e medo por parte das pessoas.

Áreas de aplicação

No Brasil as técnicas do transe hipnótico registravam usos medicinais já em 1832. Porém, a regulamentação do uso da hipnose como recurso auxiliar de tratamento ocorreu somente no Século XX, pelos Conselhos Federais de Odontologia em 1966, de Medicina em 1999, e de Psicologia em 2000. Além de possuir obrigatoriamente o diploma universitário de alguma dessas áreas, é necessário um curso autenticado de hipnoterapia, que pode variar de 60 a 360 horas de carga horária.

As formas de aplicação da hipnose na Medicina e na Odontologia normalmente são a anestesia e a analgesia, que cuidam da eliminação ou do amortecimento de dores no organismo, mas também há casos em que se controla o sangramento, por exemplo, ou outra atividade neural.

Na Psicologia, a hipnose pode ser amplamente utilizada a fim de tratar casos de depressão, dependência, fobias, ansiedade, problemas sexuais, auto-estima, dentre muitos outros. Nesse caso, o hipnólogo não busca apenas modificar as sensações do paciente, mas procura entender as causas dos problemas através de um exercício de reflexão e relaxamento.

Mecanismos Fisiológicos

A eficácia de um transe hipnótico pode ser explicada pela ocorrência de algumas reações fisiológicas no corpo. Durante uma sessão, alguns metabolismos complexos do corpo humano são ativados, diminuindo o nervosismo e a ansiedade do corpo, processo que possibilita uma maior oxigenação das células do organismo. Substâncias denominadas neuropeptídios, como as endorfinas, por exemplo, são depositadas na corrente sanguínea, revertendo o estado psicológico de angústia, apreensão, medo ou ansiedade, para um estado de bem-estar. Para o intuito de analgesia ou anestesia, basta essa sensação permanente para que se alcancem os resultados. Na Psicologia e na Psiquiatria, é desse modo que o paciente se torna mais suscetível a trazer à tona fatos passados que possam ter sido esquecidos por algum motivo, além de estar mais receptivo a novas propostas de comportamento e de reação às coisas que o cercam.

No caso de algumas doenças de causa fisiológica, a hipnose pode ajudar no sentido de melhora no sistema imunológico do paciente, acompanhada de tratamento tradicional dado pela medicina.

Desmistificando a Hipnose

Ainda que se comprove a hipnose como fenômeno fisiológico natural, as discussões sobre seus reais efeitos não acabaram, pois nem todos a assimilam da mesma forma. O médico responsável pela Clínica do Sono em Porto Alegre , Denis Martinez, discorda que a hipnose possa ter efeito terapêutico. O que Freud chama de trauma cuja causa procura descobrir no inconsciente Martinez defende que é inacessível. “Existem certos tipos de memórias que ficam quimicamente gravadas e não podem ser recrutadas”, diz. Ele citou o experimento feito com ratos que são separados de seus pais na infância. Ao enfrentar uma situação de grande estresse quando pequenos, os animais criam uma característica de resposta ao estresse exagerada, que passará a se manifestar durante toda a vida, e ela não se trata de uma memória cerebral para que seja ‘acessada’ e alterada. Transpondo isso para os humanos, “não há outro modo de se curar, que não seja com remédios, o tempo todo. Do ponto de vista psicológico não há mais que se fazer”, afirma.

De qualquer modo, não se pode desconsiderar o caráter reflexivo da hipnose. Através dessa técnica é possível “ acessar conteúdos que estão mais a nível do pré-consciente, de tal maneira que, ao serem acessados, esses recursos possam ser operacionalizados para que se atinjam as metas”, explica a psicóloga Marta Echenique. Em termos gerais, poderíamos então definir a hipnose como uma meditação assistida por um profissional de saúde capacitado. Uma vez que o fenômeno hipnótico acontece todos os dias, com mais frequência do que se imagina, o hipnólogo passa a ser somente um auxiliar na indução desse estado, com o intuito de cessar ou amenizar a dor ou ainda de acessar dados registrados em camadas um pouco mais profundas da mente.

Hipnoterapia é um processo que serve para diagnosticar um problema e sugerir um tratamento, através de uma reflexão profunda do próprio paciente. Não envolve controle da mente, não requer dons sobrenaturais tampouco corresponde às narrações mais diversas representadas na ficção. Hipnose é simplesmente um estado alterado de consciência que pode ser aproveitado de diversas formas para a melhoria do indivíduo, sem qualquer acontecimento extraordinário que não possa ser compreendido pelo ser humano, mas “as pessoas gostam de ser enganadas, gostam de pensar que nós temos poderes”, diverte-se o médico Denis Martinez.







Um espaço destinado a registrar e difundir o pensar dos nossos dias.