Escrever em português torna difícil para muitos autores brasileiros obterem reconhecimento mundial. Além disso, grande parte de nossa literatura enfoca questões como a investigação da identidade brasileira, bem como explorações de valores e cultura locais, o que a torna, talvez, menos relevante para leitores de outros países.

As coisas parecem estar mudando, no entanto. O aclamado escritor brasileiro Raduan Nassar, por exemplo, foi indicado para o Prêmio Booker 2016 por Uma Taça de Fúria, publicado no Brasil em 1978.

Clarice Lispector sempre foi uma exceção: uma escritora brasileira conhecida em todo o mundo. Uma das razões para isso é que os enredos e personagens de seus romances estão longe de ser tradicionais; Os personagens de Lispector tendem a embarcar em jornadas interiores cheias de nuances, explorando mundos incrivelmente complexos. Quase nada acontece em termos de ação ou no desenvolvimento de arcos de personagem típicos. Seus livros lançam uma luz única sobre diferentes aspectos da natureza humana. Se o fluxo de consciência que ela costuma usar pode tornar sua prosa um tanto hermética e mais difícil de ler, também permite que suas histórias viajem internacionalmente com mais facilidade.

No entanto, mesmo quem gosta de seu trabalho pode não saber os seguintes fatos sobre a famosa autora:

1. Clarice Lispector se parecia com Marlene Dietrich e escrevia como Virginia Woolf. Seus looks do Leste Europeu eram de fato marcantes e incomuns no Brasil. Sua família havia migrado para o Brasil após a Primeira Guerra Mundial, fugindo dos pogroms contra judeus na região.

2. Sua mãe foi estuprada na Ucrânia durante um desses pogroms e, conseqüentemente, contraiu sífilis, que a levou à morte prematura algumas décadas depois. Parece que Clarice foi concebida como uma possível tentativa de curar a doença (uma superstição comum naquela época dizia que dar à luz uma criança poderia curar a infecção). Claro, isso não surtiu o efeito pretendido, e Clarice carregava o peso da culpa por não ter sido capaz de salvar a mãe pelo resto da vida. A maternidade, ou a falta dela, é um tema recorrente em suas histórias.

3. Foi criada em Recife, cidade do nordeste brasileiro, onde estudou em uma das melhores escolas públicas da região, o Ginásio Pernambucano. Ela tinha 14 anos quando sua família finalmente se mudou para o Rio.

4. Clarice Lispector passou grande parte de sua vida morando em diferentes países e cidades, como esposa do diplomata Maury Gurgel Valente. Ela morou em Naples, Bern e Washington, entre outros lugares. Sua inteligência natural, beleza e modos cultivados, aliados à experiência de morar em diferentes partes do mundo, fizeram dela uma das mulheres mais sofisticadas de seu tempo.

5. Clarice teve dois filhos: Pedro e Paulo. Pedro era tão precoce que em alguns dias aprendeu o dialeto local da empregada doméstica na Suíça, assustando os pais. No entanto, este foi um indicador precoce de problemas mentais e, mais tarde, ele foi diagnosticado com esquizofrenia.

6. Clarice não era uma pessoa muito política, embora estivesse ciente e magoada pelas injustiças e desigualdades que observava em seu país de adoção. No início dos anos mais duros da ditadura no Brasil, no final dos anos 60, ela participou de manifestações e se manifestou contra o golpe militar.

7. Amigos próximos afirmam que Clarice era uma mulher solitária e difícil, principalmente depois que ela deixou o marido no final dos anos 50 e decidiu morar com os filhos no Rio. Ela era viciada em pílulas para dormir, mas quando não conseguia dormir, ligava para as amigas para discutir seus problemas pessoais a qualquer hora do dia ou da noite.

8. Clarice sobreviveu a um incêndio iniciado quando adormeceu com um cigarro aceso na mão. Nessa época ela morava em um apartamento no Leme, um trecho de praia próximo à badalada Copacabana dos anos 1960. As queimaduras de terceiro grau deixaram-na com cicatrizes para o resto da vida, especialmente a mão direita – que ela usava para escrever!

9. Clarice tinha uma forma de escrever totalmente moderna e original. Temas relacionados à maternidade, assim como reflexões sobre a saudade da mãe, figuraram amplamente em seu trabalho. Suas ideias foram fortemente influenciadas pelo filósofo Spinoza e a linguagem que ela usou a tornou uma escritora extraordinariamente criativa e original.

10. Ela escreveu nove livros, uma peça, vários contos e alguma literatura infantil. Ela também era jornalista e tinha colunas em importantes jornais brasileiros, onde costumava escrever crônicas (um gênero tipicamente brasileiro, em que os autores narram fatos sobre experiências simples do cotidiano de maneiras interessantes e originais) ou dava conselhos para leitoras, em seu próprio nome ou pseudônimos. Ela morreu de câncer de ovário em 1977 aos 57 anos.







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