O mundo é um lugar de injustiças e crueldade, mas é muito mais fácil entender e aceitar que seja assim quando não somos nós as maiores vítimas, quando não somos parte dos mais afetados. As mazelas da humanidade, se não nos atinge diretamente, não têm o poder de nos comover por mais de que alguns instantes, apenas o tempo em que dura uma reportagem, mas nada que vá nos fazer perder o sono e transformar nosso estilo de vida.

Se a “roleta russa” do destino não disparou na nossa vez, damos graças a alguma divindade que cultuamos e seguimos a vida que está sendo desenhada para nós, com a consciência tranquila de não se ter nenhuma culpa pelos infortunados do mundo, afinal já é bem custoso enfrentar os problemas que a vida moderna nos impõe. Não é por culpa minha, ou sua, que as nove pessoas mais ricas do planeta possuem mais riqueza combinada do que o total detido pelos 4 bilhões mais pobres e, tampouco, que 40 milhões de pessoas sejam escravizadas.

Saber disso não muda muita coisa, aliás, não muda nada, a não ser que
consideremos essa informação como algo que nos atinja diretamente e nos
direcione para outra consciência. Resistir de seguir no “estouro da boiada” é
difícil, quase impossível, eu diria. O mundo inteiro é um grande mercado, uma feira de ilusões muito bem articulada. Os estilos e gostos são os mais variados possíveis, mas a ideia que prevalece é uma só: obter os melhores produtos, porque neles vêm agregado o melhor estilo, melhor status, a grande e ofuscante medalha de conquistador que ostentaremos uns para os outros.

Tudo tem um preço no grande mercado das ilusões, até o amor. Nessa época do ano a causa de amar alguém é posta à prova, não com artigos abstratos, essas coisas que advém do coração, demonstrações de sentimentos espontâneos e nobres. Isso só não basta. A declaração com data marcada precisa ser materializada nas formas de algum produto de consumo, que na maioria das vezes nem será consumido e terá o destino de algum aterro sanitário.

Mas a grande engrenagem do consumo precisa girar e, para isso, as grandes
corporações investem fortunas para nos convencer que a melhor forma de provar o nosso amor aos nossos amigos e familiares é presenteando-os com os produtos que temos que adquirir delas.

Nossa sociedade é totalmente louca e ser louco é considerado normal. Comprar coisas que ninguém precisa com dinheiro que não temos e destruir nosso planeta no processo parece perfeitamente adequado para a maioria das pessoas. De fato, se você diferir da maioria e escolher não se conformar à nossa cultura de consumo, quase todo mundo começa a te olhar como se você fosse um esquisitão patético.

É assim que somos fortemente doutrinados. É claro que isso não é
surpreendente, se você considerar que, desde o momento em que saímos do
ventre de nossa mãe, a indústria da publicidade tem nos bombardeado com
inúmeras mensagens que tentam nos convencer de que tudo o que precisamos na vida são produtos. Somos vítimas de nossa cultura – nossos valores, mentalidade e comportamento são simplesmente um resultado natural de nosso condicionamento social ao longo da vida .

Mas, e se parássemos por um segundo e questionássemos a crença arraigada de que somente através de produtos podemos encontrar sentido e realização em nossas vidas? E se pudéssemos furar as agendas corporativas e percebermos que o amor não tem um preço e, portanto, não pode ser comprado, vendido ou possuído de forma alguma? E se desafiássemos a ideia de que mais coisas significam mais felicidade e saíssemos do encanto hipnótico do consumismo ?

Se há algo de que precisamos mais, são olhares íntimos, abraços calorosos,
palavras gentis e sorrisos generosos. Não bastões de doces, velas perfumadas e meias de Natal. Em outras palavras, precisamos de mais conexão humana e menos do que os humanos podem obter por nós.

Não se trata de sugerir que oferecer objetos materiais como presentes para as pessoas é ruim ou errado. Pode realmente ser uma grande coisa, dependendo do que esses presentes são e a quem nós os damos. Se damos às pessoas coisas que podem melhorar a qualidade de suas vidas, então tudo bem. Mas qual é o sentido de dar às pessoas coisas que elas não precisam e que logo vão acabar como lixo em aterros sanitários ? Não seria muito melhor se, por exemplo, gastássemos nosso dinheiro excedente para ajudar os necessitados –
os pobres, os sem-teto, os carentes – diretamente ou apoiando indivíduos e
organizações que estão tentando fazer de nosso mundo um lugar melhor?

Neste natal, meus amigos, não vamos dar mais coisas uns aos outros e, em vez disso, dar mais amor uns aos outros. Não vamos oferecer presentes e, em vez disso, experiências com presentes – experiências de conexão, compaixão, pertencimento. E se nos encontrarmos em um lugar de relativa abundância, vamos oferecer o que pudermos para aliviar o sofrimento de nossos semelhantes.







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