Há três anos que um grupo jihadista ataca, destrói, viola e mata na província de Cabo Delgado. Tudo começou em 2017, com ataques limitados e selectivos. Os primeiros alvos foram as esquadras de polícia e as forças de segurança. Evoluíram, depois, para ataques indiscriminados e em larga escala. Os alvos passaram, então, a ser as populações indefesas.

A rebelião é travada por um grupo obscuro conhecido localmente como Al-Shabab, que há um ano jurou lealdade ao chamado Estado Islâmico, mas a sua liderança permanece pouco clara e os seus motivos só foram revelados recentemente.

Em entrevista à revista Renascença, o escritor Mia Couto falou sobre essa onda de violência. Mia considera que, sozinho, Moçambique não consegue dar conta de resolver o problema, chegando a afirmar que essa coisa que acontece por lá é sim muito mais preocupante que a pandemia.

“Isto é um drama que temos dificuldade em compreender que esteja a acontecer em Moçambique. É um drama numa proporção que é bem mais grave do que a pandemia de Covid-19.”

Referente à pandemia, Mia Couto diz que, ao contrário do que acontece nos EUA e Europa, a situação em seu país não foi tão dramática.

“A pandemia tem-se manifestado de uma forma muito mais benigna do que no continente europeu. Sofremos sim, mas também porque estas medidas têm de ser tomadas em conjunto com o mundo. Não teríamos necessidade de fazer um confinamento, mas estamos num mundo que é global e não podemos viajar, nem partilhar desta presença física que era uma espécie de festa, antes.” — afirma o escritor.

Segundo ele, a comunidade internacional precisa intervir com urgência no sentido de socorrer Moçambique.

“Não temos nenhuma possibilidade de entrar em negociação com estas pessoas que estão todos os dias degolando, desmembrando ou usando uma violência que não tem nome. Isso causa-nos um sentimento de impotência enorme. A primeira grande tentação é pedir socorro. O contorno e a dimensão que esta agressão tem, faz adivinhar que sozinhos não seremos capazes de fazer face a isto.”

E, continuando seu apelo dramático por ajuda, Mia Couto conclui:

“O que está aqui em causa, não é Moçambique, nem Cabo Delgado. O que está aqui em causa, é toda a Humanidade e o respeito pela vida.”

Entenda o que acontece em Moçambique

Por volta de 2007, líderes religiosos islâmicos começaram a notar um “movimento estranho” entre alguns jovens que praticavam um tipo “diferente” de Islão, bebiam álcool e entravam em mesquitas vestindo calções e sapatos.

Os jovens insatisfeitos formaram a Ansaru-Sunna, uma subunidade do Conselho Islâmico na província de Cabo Delgado, no extremo norte, e construíram novas mesquitas enquanto adotavam uma forma mais dura de Islão, de acordo com Eric Morier-Genoud, professor da Queen’s University Belfast, na Irlanda do Norte .

O governo local estava ciente de sua existência, mas subestimou a sua capacidade, notam os moradores.

“Todos nós sabíamos que eles eram perigosos, mas nunca pensamos que fossem capazes de travar uma guerra”, disse um imã local que então morava em Mocímboa da Praia que, mais tarde, viria a tornar-se o epicentro da insurgência.

Recrutamento forçado

Enquanto vários jovens são colocados nas fileiras, alguns, já inclinados ao sectarismo, aderiram voluntariamente.

Outros são atraídos por falsas promessas de bolsas de estudo para aprofundar os estudos islâmicos no exterior – apenas para acabar em campos de treino nas densas florestas de Cabo Delgado.

“No início era por aliciamento, com promessas de dinheiro ou emprego. Mas agora pessoas são sequestradas ou raptadas, o que fez o grupo crescer rapidamente”, disse Enio Chingotuane, especialista em estudos de segurança da Universidade Joaquim Chissano em Maputo

Fontes da inteligência militar no local estimam a força do grupo em cerca de 4.500 pessoas, dos quais dois mil estão armados.

Também há estrangeiros envolvidos, incluindo alguns tanzanianos, mas o seu papel permanece nebuloso

“Há claramente uma presença estrangeira”

Leia a entrevista na íntegra AQUI

Crédito da imagem de capa: Wikimedia Commons







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