Crédito da imagem: © Alberto Del Hoyo

Por Joilson K Rodrigues

Parece um drama inserido num filme de terror. Imagine a cena: numa aldeia qualquer de um país africano, uma mulher grávida (às vezes ainda menina) começa a sentir as dores do parto. Aumentam as contrações, as dores crescem, o tempo é uma espera de medo e angustia. A criança é empurrada para a saída, mas não consegue; a porta para o mundo pode ser estreita demais, ou, por qualquer outra razão, o novo ser não acha jeito de desembarcar do ventre materno. A mulher tenta fazer uma prece, suplica a seus ancestrais que a acudam daquela sina cruel, pede a morte. Mas só o seu filho vai morrer, ela não. Ela está condenada a um destino pior que a morte, mil vezes pior.

O filho tenta por dias, é guerreiro, mas está encalhado no caminho, faltando muito pouco para alcançar a luz, um quase nada; é quase certo que sua vida curta termine aí, quando for retirado, já será só mais um anjo no céu. Mas a mãe dele não vai para o céu, ao contrário disso, está condenada ao inferno, aqui mesmo no mundo dos vivos.

E não dará mais filhos, nem receberá amores, porque será só uma morta em vida. A tentativa frustrada rasgou suas carnes e seu prestigio, não tem mais serventia como mulher.  Não poderá nunca mais atender aos gozos do homem, nem aos dela, se é que os teve um dia. Inutilizada, como mulher e esposa, vai vagar pela vida ansiando a morte. É uma amaldiçoada, uma bruxa que toda a aldeia evitará aproximação. Causa medo, nojo, ela exala cheiros maus, como deve ser os cheiros dos demônios.

*Fístula, esse é o nome da coisa, mas pouco importa a ela o nome que sua maldição atende, e muitas nem conhece esse termo. O mundo dali é um  mundo muito distante de qualquer outro; saber o nome da fissura enorme que se abriu nas suas partes não corrige seu destino. Suas carnes foram rasgadas, emendou-se tudo num só buraco, uma coisa disforme que a impede de ter o controle sobre sua bexiga e até intestinos. É como uma maldita porta arrebentada, sem trancas, sem chaves.

Um dia, talvez, o mundo seja um lugar melhor para as mulheres, para essas mulheres especialmente. Quem sabe não esteja perto esse dia. Quem sabe!

pensarcontemporaneo.com - Um destino pior do que a morte para dezenas de mulheres africanas
Jennifer senta-se fora de sua igreja em Uganda e reza pela cura da fístula. Foto: Jon Warren.

 

*Uma fístula obstétrica ocorre quando uma mulher resiste dias de trabalho obstruído, quando a cabeça de um bebê está constantemente empurrando contra seu osso pélvico durante as contrações – evitando o fluxo sanguíneo e fazendo com que o tecido morra.

Isso cria um buraco, ou uma “fístula”, entre a vagina de uma mulher e sua bexiga ou reto. É improvável que o bebê dela sobreviva. Se a mãe vive, ela é incapaz de segurar a urina e, em alguns casos, conteúdo intestinal.

Uma mulher com fístula, que está sempre vazando urina e às vezes fezes, é muitas vezes rejeitada pelo marido e evitada por sua aldeia por causa de seu mau cheiro e incapacidade de ter mais filhos.

“As pessoas pensam que as mulheres com fístula são bruxas e atraem má sorte”, diz Dr. Justin Paluku Lussy, chefe do departamento de obstetrícia e ginecologia do hospital HEAL África em Goma, República Democrática do Congo. (Informações CNN)







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