Começa como uma história de bairro e cresce como um acerto de contas com o passado. Em Dublin, 1967, um grupo de amigas católicas tenta segurar a vida com fé, humor e teimosia, enquanto velhas feridas insistem em latejar.
“O Clube dos Milagres” parte desse chão cotidiano para falar de perdas que não cicatrizaram e do apoio silencioso que mantém pessoas de pé.
Logo de cara, a câmera acompanha Lily Fox, já idosa, em uma prece íntima no local onde o filho morreu décadas antes. A cena não pede explicações longas: mostra um luto que nunca saiu de cena.

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Em casa, Lily divide a rotina com Tommy, marido endurecido pelos tropeços da vida, e mantém laços com Eileen Dunne, amiga de longa data, e com Dolly Hennessy, mais jovem, mãe de um menino com limitações cognitivas. Entre oportunidades estreitas e contas por pagar, as três alimentam um plano ousado: ir a Lourdes, na França, em busca de alívio e coragem para seguir.
O bairro gira em torno da paróquia, e é ali que surge a brecha: Dermot, o pároco, oferece três passagens para as vencedoras de um show de talentos. A proposta vem cheia de subtextos e, quando o concurso termina, a graça está em como as amigas, mesmo sem o primeiro lugar, acabam contempladas.
A partir daí, a narrativa coloca fé e pragmatismo para conversar — e ri de pequenas trapalhadas sem transformar ninguém em motivo de chacota.

Nada, porém, mexe mais com a comunidade do que a chegada de Chrissie Ahearn, de volta ao velório da mãe após décadas distante. O retorno acende olhares tortos e frases atravessadas.
Dolly enxerga nela uma possível aliada; Lily e Eileen, não. Ficamos sabendo aos poucos por que aquela presença incomoda tanto, e como escolhas antigas viraram silêncios que custaram caro a todos.
Enquanto os preparativos para a viagem avançam, o filme escava os dilemas de cada uma. Eileen desconfia de um tumor na mama e, assustada, se agarra à ideia de peregrinar. Lily tenta conciliar devoção e orgulho. Dolly quer respostas para a própria família.
Chrissie mede cada passo para não afundar de novo no que a expulsou dali. O roteiro de Jimmy Smallhorne, Joshua D. Maurer e Timothy Prager alterna dor e respiro com leveza, deixando o remorso e o perdão trabalharem no tempo certo.

Thaddeus O’Sullivan dirige com atenção aos detalhes, preferindo gestos a discursos. O humor aparece em situações reconhecíveis — a fofoca que foge do controle, o concurso paroquial com regras elásticas, o ensaio musical que sai do tom — e serve para arejar temas duros, não para diminuí-los. A fotografia quente e a direção de arte enxuta reforçam a sensação de vizinhança real, onde cada porta tem uma história mal resolvida.
No elenco, experiência pesa a favor da trama. Maggie Smith dá a Lily camadas de altivez e culpa; uma sobrancelha erguida basta para desmontar certezas. Kathy Bates entrega uma Eileen combativa, com medo da doença e coragem para encará-la.
Laura Linney encontra o ponto exato de contenção em Chrissie, guardando explicações até o momento certo. Agnes O’Casey faz de Dolly o elo generoso do grupo, aquele que aproxima lados que nem queriam dividir a mesma mesa.

Quando a peregrinação finalmente acontece, o filme evita promessas fáceis. O santuário não surge como máquina de desejos; vira, antes, um lugar onde cada uma consegue dizer em voz alta aquilo que vinha sendo empurrado para baixo do tapete.
Há reconciliações, há atritos, há pedidos que não se cumprem — e há uma serenidade nova por entender que o cuidado entre pessoas é, muitas vezes, o único milagre disponível.
Sem sermões, “O Clube dos Milagres” trata fé como linguagem afetiva e prática comunitária. O sagrado aparece no gesto de acompanhar uma amiga ao médico, em aceitar responsabilidades antigas, em ouvir um pedido de desculpas sem humilhar ninguém. E, quando as personagens erram a medida, a narrativa mostra o custo, em vez de justificar com frases feitas.
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