Tem catálogo lotado, você rola, rola… e acaba caindo nos mesmos dramas de sempre. Cinzas surge justamente para quebrar essa repetição, trazendo um romance psicológico turco que troca cenas aleatórias por tensão íntima e desejo contido.
Lançado em 2024 e já disponível na Netflix Brasil, o longa usa um manuscrito enigmático como detonador emocional — e faz a protagonista desmontar peça por peça a vida “certinha” que construiu.
Produções turcas vêm ganhando terreno no streaming pela mistura de melodrama, mistério e forte apelo visual. Cinzas pega essa base e adiciona uma camada literária: o livro dentro do filme funciona como espelho distorcido dos segredos domésticos. Nada de tramas grandiosas externas; o terremoto é interno e silencioso.

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Gökçe aparenta estabilidade: casamento confortável com Kenan (editor bem-sucedido), filha querida, casa impecável, rotina previsível. Só que a repetição esgota o brilho de tudo.
Quando chega à editora um manuscrito assinado apenas por “M.”, contendo passagens de intimidade crua e personagens que parecem reconhecer feridas que ela esconde, Gökçe passa a reagir fisicamente a cada leitura — respiração curta, noites sem sono, olhar perdido em frases que ecoam lembranças enterradas.
O texto misterioso descreve lacunas no casamento de uma mulher que poderia ser ela. É coincidência? Espionagem emocional? Autobiografia camuflada? Ao acompanhar Kenan revisando páginas, Gökçe memoriza trechos e relembra decisões feitas por conveniência.
O manuscrito deixa de ser material de trabalho do marido e vira objeto de devoção íntima, um tipo de confissão que ela nunca ousou verbalizar.

Quando “M.” surge em carne e osso, não há entrada teatral: sua presença calma instala ruído em tudo. Conversas simples com ele parecem desmontar justificativas que Gökçe repete há anos.
O encontro desloca seu eixo moral, coloca o casamento sob lupa e forja uma tensão erótica mais pela pausa do que pelo ato explícito.
A fotografia aposta em interiores com luz filtrada por cortinas cinzentas, reforçando a sensação de ar “parado”. Quando o manuscrito domina a mente de Gökçe, a paleta ganha pontos de vermelho queimado discretos (roupas, objetos de mesa) sinalizando combustão interna.

O som utiliza silêncios longos, respiração e ruídos domésticos (páginas viradas, talheres, porta semiaberta) para ampliar tensão. A câmera frequentemente enquadra Gökçe de costas ou em reflexos, sublinhando fragmentação.
Não espere cortes frenéticos. O filme aposta em crescente lento: curiosidade → absorção → obsessão → confronto. Pequenos gestos (ela relendo a mesma linha; dedos deslizando sobre a margem anotada por Kenan) substituem explosões dramáticas. Quando o ponto de virada acontece, o espectador já está condicionado a caçar microexpressões.

Recepção dividida
Quem elogia destaca a construção atmosférica, a atuação contida da protagonista e o final que deixa espaço para interpretação (é confissão literal? metáfora? delírio projetado?).
Críticas negativas alegam que algumas subtramas somem sem resolução clara e que a conclusão “abre demais” as possibilidades. Esse contraste de reações mantém o título circulando em debates de rede social — justamente o que mantém um drama vivo no catálogo.
Se você busca romance açucarado, provavelmente vai estranhar. Agora, se gosta de relatos de autoengano, erotismo sugerido e roteiro que prefere deixar perguntas ecoando, Cinzas oferece 1h40 bem concentradas.
Funciona melhor assistido de uma vez, sem pausas longas, para sentir a escalada mental de Gökçe sem perder o fio sensorial.
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