Tem gente que apaga vela de aniversário aos 30 com a sensação de que ganhou um prazo extra; tem gente que sente que o relógio disparou de vez. “O Último Beijo”, de Gabriele Muccino, cai exatamente nesse ponto de crise.
O longa italiano, disponível na Netflix, acompanha um grupo de amigos que teoricamente já “deveria” estar com a vida organizada, mas continua agindo como se ainda pudesse apertar o botão de fuga a qualquer momento. É o típico filme que faz quem está nessa faixa etária pensar: “ok, isso aqui está desconfortavelmente familiar”.
Carlo, vivido por Stefano Accorsi, é o centro desse caos. Ele está em um relacionamento estável com Giulia (Giovanna Mezzogiorno), tem um futuro previsível pela frente e recebe a notícia da gravidez da namorada como quem escuta uma sentença: a de que o tempo das últimas aventuras acabou.

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Em vez de enxergar o filho como começo, ele enxerga como fechamento de portas. É nesse clima que surge Francesca (Martina Stella), uma adolescente encantada pela ideia de um romance intenso com um homem mais velho.
A ligação entre os dois não nasce de profundidade, e sim de carência e vaidade: ele é seduzido pela juventude dela; ela, pela sensação de ter sido “escolhida”. A traição que se segue é tratada pelo filme como um ato de covardia afetiva, não como grande história de amor.
Enquanto Carlo se enrola nas próprias escolhas, os amigos seguem caminhos igualmente tortos. Paolo (Claudio Santamaria) tenta engolir o luto pela morte do pai como se fosse só mais uma pedra no caminho, empurrando o sofrimento com o peito e fingindo que está tudo sob controle.
Adriano (Giorgio Pasotti) olha para o casamento com Livia (Sabrina Impacciatore) como se tivesse assinado um contrato errado e ficasse procurando onde está a cláusula de cancelamento. Já Alberto (Marco Cocci) se refugia em noites, festas e encontros casuais, vendendo para si mesmo a ideia de que é “livre”, quando na verdade só está fugindo de qualquer laço que possa exigir responsabilidade.

Em certo momento, todos se agarram à fantasia clássica de largar tudo e cair na estrada. Falam de viagens e mapas como se um carimbo novo no passaporte fosse resolver problemas que, na prática, estão dentro deles.
O roteiro deixa claro que esse plano é menos um projeto real e mais uma desculpa para adiar decisões difíceis. Não é o destino que importa, e sim a vontade de escapar do próprio espelho.
O filme ganha uma camada interessante quando a história se afasta dos trinta e poucos anos e olha para a geração anterior. Anna, mãe de Giulia e interpretada por Stefania Sandrelli, começa a questionar o casamento com Emilio (Luigi Maria Burruano) depois de décadas de rotina.

Em busca de algo que a faça se sentir viva de novo, ela tenta retomar um romance antigo com um professor universitário (Sergio Castellitto). Esse arco mostra que o descontentamento não é exclusividade dos mais jovens: tanto pais quanto filhos estão presos à ideia de que mudar de parceiro ou de cenário é receita automática de recomeço.
O filme, no entanto, trata essas tentativas como deslocamentos cheios de ilusão, não como libertação garantida.
Visualmente e no ritmo, Muccino aposta em um caos organizado. As discussões são barulhentas, as cenas se encadeiam com pressa e a câmera acompanha os personagens como se estivesse tentando segui-los de perto antes que mudem de ideia de novo.
A sensação é de estar dentro da cabeça de alguém à beira de um ataque de ansiedade, tentando conciliar trabalho, relacionamento, expectativas da família e o medo de ter “escolhido errado”.

Quando Carlo tenta recuperar Giulia depois da traição, o filme não cai na reconciliação açucarada. A aproximação dos dois é pesada, cheia de mágoa, com o olhar dela deixando claro que perdoar não apaga tudo que aconteceu.
Em volta dos dramas individuais, existe um cenário muito reconhecível: empregos seguros que não empolgam, apartamentos que parecem ter saído de catálogo de vida perfeita, casamentos que seguem mais por hábito do que por convicção.
É como se cada personagem seguisse um roteiro social pronto, sem ter assinado essa escolha conscientemente. As tentativas de “revolta” acabam voltando para o ponto inicial quando a conta chega, seja na forma de gravidez, divórcio, obrigação financeira ou simplesmente solidão.

“O Último Beijo” acerta em cheio ao tratar esse estado de confusão permanente como algo comum e incômodo ao mesmo tempo.
Ninguém ali é íntegro o tempo todo, ninguém é um vilão completo; são adultos que ainda funcionam como adolescentes atrasados, tentando sustentar uma versão de si mesmos que não dá mais conta da realidade.
Para quem está com 30 e tantos e sente que a vida se tornou uma sequência de decisões definitivas tomadas com a cabeça de 20, o filme funciona como um espelho nada confortável, mas difícil de desviar o olhar.
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