Tem filme de terror que assusta pelo susto; O Poço faz outra coisa: ele te faz encarar, com zero delicadeza, o quanto somos egoístas quando estamos com o prato cheio — e o quanto viramos monstros quando estamos morrendo de fome.
É o tipo de produção que termina e deixa a sensação de que você não viu “só um filme”, mas um experimento social levado ao extremo, daqueles que ficam rondando a cabeça por dias.
Logo no início, a história já apresenta o cenário sem floreios: uma prisão vertical, chamada de Poço, formada por andares empilhados um sobre o outro, em um número que ninguém ali conhece de verdade.

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Em cada nível, duas pessoas dividem um espaço nu, cinza, com um vão no centro por onde desce, diariamente, uma plataforma carregada de comida. Não há janelas, não há paisagem, não há relógio — só a espera pela próxima descida do banquete.
Essa plataforma é o coração do pesadelo. Ela sai do topo lotada de pratos refinados, sobremesas, carnes, frutas, tudo preparado como se fosse um buffet de hotel de luxo.
Nos primeiros andares, os presos comem à vontade, rejeitam, pisam e desperdiçam o que querem. Conforme a estrutura vai descendo, sobram restos, sujeira e, em muitos níveis, simplesmente nada.
Quem está lá embaixo precisa lidar com a fome que corrói o corpo e a cabeça, e é aí que o filme começa a revelar o que a miséria faz com qualquer discurso de “civilização”.

Para piorar (ou melhorar, narrativamente falando), não existe posição fixa. Uma vez por mês, todos acordam em um andar diferente, definido ao acaso.
Quem hoje está no conforto relativo dos níveis superiores pode abrir os olhos, no mês seguinte, em um dos últimos andares, praticamente condenado.
Esse embaralhamento constante desmonta a ilusão de mérito: não há “vencedor” por esforço, só um sistema que gira e redistribui privilégio e desespero.
No meio dessa estrutura desumana, O Poço acompanha especialmente Goreng, vivido por Iván Massagué. Ele entra no local por escolha, levando um livro, e acredita que vai cumprir um período ali e depois ganhar um certificado que pode ajudá-lo na vida.
A ingenuidade inicial do personagem contrasta com o cenário bruto, e é justamente por acompanhar o olhar dele que o espectador vai, aos poucos, se dando conta da lógica perversa do lugar.

Goreng começa tentando manter alguma ética, mas o Poço não foi desenhado para pessoas calmas — ele foi desenhado para testar até onde alguém aguenta antes de quebrar.
Ao lado dele surgem figuras que marcam o espectador pela estranheza e pelo cinismo. Trimagasi, interpretado por Zorion Eguileor, é o companheiro de cela que mistura humor ácido e brutalidade, usando frases cortantes para justificar seu pragmatismo cruel.
Omiguiri, vivida por Antonia San Juan, surge com um discurso técnico e aparentemente organizado, mas também faz parte da engrenagem que aceita o Poço como “normal”.
Cada personagem revela um jeito diferente de se adaptar ao absurdo: alguns tentam manter um mínimo de regra, outros abraçam o caos sem culpa.
Outro rosto que chama atenção é o de Alexandra Masangkay, que compõe uma personagem enigmática, ligada à busca por alguém dentro do Poço. Ela retorna na continuação lançada em 2024, reforçando a sensação de que o filme não fecha tudo em uma única história, e que aquele mundo ainda guarda perguntas não respondidas.

A presença dela funciona como um lembrete constante de que, por trás da estrutura matemática do sistema, existem dramas pessoais esmagados pela lógica da prisão.
O que torna O Poço ainda mais incômodo é que a metáfora nunca é sutil. O filme esfrega na tela a desigualdade, o desperdício e a indiferença, sem tratar o espectador como alguém que precisa de explicações fofas.
A cada descida da plataforma, o que se vê é uma radiografia cruel de como hierarquias criadas artificialmente viram justificativa para humilhar quem está abaixo. Quando alguém ousa pensar em “organizar” a comida para que todos tenham uma chance, a reação do sistema é imediata: violência, deboche, descrédito.
Assistir a O Poço é encarar uma pergunta desconfortável: em qual andar você se comportaria bem? No topo, desperdiçando o que não precisa? No meio, tentando equilibrar culpa e sobrevivência?
Ou lá embaixo, fazendo qualquer coisa para continuar vivo? É aí que o filme deixa sua marca existencial: ele não oferece resposta pronta, só coloca o espectador diante de um espelho deformado, mas reconhecível, em que a linha entre “eu nunca faria isso” e “eu talvez fizesse” começa a ficar perigosamente borrada.
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